quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/19/2004 09:57:02 AM

"A PÁLPEBRA É O LÁBIO DO OLHO" (Saint-John Perse)

Gravura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar





Um menino revirava o peixe com um galho, revidava, dissecava o peixe por todos os lados e gritava: Cadê o olho? Cadê o olho? Eu não sinto pena do que não fui capaz de viver. Não sinto pena. Falhar é também necessário. Não desejo me isentar de mim para enxergar. Eu quero enxergar comigo dentro. O menino resmungava escamas a procurar o olho que não morreu junto do peixe. O olho que não foi pescado. Cadê o olho? O olho deveria ser um Deus ou um pai ou uma mãe ou um carretel e suas barbatanas compridas. O olho não era o mar, mas sua aparência de musgo. O olho era o que o mar não via. Saber o que somos não amplia o espaço. Talvez até o diminua. A gente protege o que somos e recuamos. Quando se acaricia um rosto, se ergue a mão em um juramento distraído. O menino pensou que um cão levou o olho direito do peixe, não havia cão por perto. O menino se viu enganado e não poderia entender a expressão "olho morto de peixe" que o chamavam na escola. Eu não queria dizer nada para enfim dizer alguma coisa que não soubesse. Desejo me exigir sem a necessidade de palavras. Me amarro numa crença, num livro, numa música. Mas uma vida inventada não vale o susto de um engano. Um amor pode ser maior do que a própria fé no amor. O que fui não é uma fatalidade, mas uma escolha que não terminou. Cadê o olho? O que não é encontrado é o que mais vive.

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